Prólogo
Inês tinha acabado de se vestir e saía do quarto, dirigindo-se à cozinha.
O dia estava quente e calmo, pelo o que podia ver da janela do seu quarto. Deveria ser por estar a meio de Julho, quando o tempo é quente, mesmo de manhã, e quando ainda estão todos a dormir, desfrutando das “férias grandes”, principalmente de manhã. Mas Inês, por mais voltas que desse na cama, já não conseguia dormir mais. Era sempre assim, o primeiro mês de férias ainda não tinha acabado e ela tinha a sensação de já ter dormido o que chegasse para as férias todas. Afinal, para que é que se quer as férias? Para dormir o tempo inteiro, é que não é, de certeza. Pelo menos, assim era para Inês.
Não teve que andar muito para chegar à cozinha, já que a casa era pequena. O sol entrava alegremente pela janela da cozinha, inundando tudo com a sua luz matinal. Graça, a empregada doméstica da casa, encontrava-se de pé, na cozinha, com as mãos pousadas no balcão e o olhar perdido no que se encontrava para lá da janela. Graça só notou a presença de Inês quando esta, enquanto tirava uma caneca do armário, lhe falou:
- Bom dia! O meu pai, Graça? – Inês continuou o seu ritual das manhãs e dirigiu-se ao frigorífico, de onde tirou o pacote de leite – Ainda está a dormir?
Graça não se sobressaltou com a inesperada a aparição da jovem; apenas se virou, delicada e pensativamente, para Inês. A sua expressão era distante e os seus olhos preocupados – Inês não tinha reparado nisto ao entrar para a cozinha, pois os alegres raios luminosos que entravam pela janela tinham ofuscado toda a tristeza que preenchia o clima. Mesmo assim, a mulher respondeu:
- O teu pai… – era difícil para ela encontrar uma resposta, mas esta até não era a pior pergunta; com um suspiro longo e doloroso tentou prosseguir: - o teu pai está no quarto…
- Ainda?... – era estranho, para ela, o seu pai ainda não andar por lá, pela casa, recitando alguma deixa da última peça que tinha assistido, ou fazer outra coisa qualquer…, apenas era estranho que o seu pai, que era sempre o primeiro a acordar, sempre enérgico, ele que ia sempre “arrancá-las” (ela, a sua irmã Julieta e a sua mãe Mónica) da cama com a esperança que desta vez elas alinhassem num passeio de bicicleta às 9h da manhã, ainda estivesse no quarto. Mas não era isso que preocupava Inês agora: era Graça. Contudo, ela não sabia se devia ignorar e não se intrometer na vida de Graça, ou perguntar-lhe o que se passava…
O silêncio instalou-se entre as duas. Inês não dizia nada, porque não sabia a o que dar importância: à estranha ausência do pai, ou à estranha atitude de Graça. Graça, porém, sabia o que deveria dizer, mas não queria – talvez aquele silêncio pudesse ser prolongado ilimitadamente e não houvesse perguntas que exigissem respostas. Por fim, Inês decidiu-se por saber mais do pai:
- O que é que ele ainda es… – mas a meio arrependeu-se: Graça, não era simplesmente uma empregada doméstica, era uma amiga que sempre tinha cuidado dela e da irmã e sempre tinha posto “ordem” naquela casa, era uma amiga, cujas os sentimentos e preocupações não podiam ser ignorados – O que é que se passa, Graça? Está com uma cara… Estás… pálida.
Graça não conseguia responder – a azia que lhe inundava a boca, afogava as palavras. Mas tinha que responder.
- O teu pai está no quarto, já disse. – se não conseguia fazer com que o tempo parasse, ou menos podia disfarçar…então, começou a remexer numa gaveta, como se estivesse muito atarefada.
- Ok. – Inês fingiu acreditar na súbita actividade da outra, ignorando o brusco despertar de uma transe qualquer, e dirigiu-se ao quarto dos pais: se Maomé não ia à montanha, a montanha ia a Maomé. Era isso que ela ia fazer; desta vez seria ela a “arrancar” o pai da cama.
Caminhou até literalmente esbarrar com a porta – tentou abri-la, mas esta estava trancada.
- Graça. O que é que… – Inês preparava-se para gritar a Graça na cozinha, quando reparou que esta estava mesmo atrás dela; tinha a acompanhado.
O dia estava quente e calmo, pelo o que podia ver da janela do seu quarto. Deveria ser por estar a meio de Julho, quando o tempo é quente, mesmo de manhã, e quando ainda estão todos a dormir, desfrutando das “férias grandes”, principalmente de manhã. Mas Inês, por mais voltas que desse na cama, já não conseguia dormir mais. Era sempre assim, o primeiro mês de férias ainda não tinha acabado e ela tinha a sensação de já ter dormido o que chegasse para as férias todas. Afinal, para que é que se quer as férias? Para dormir o tempo inteiro, é que não é, de certeza. Pelo menos, assim era para Inês.
Não teve que andar muito para chegar à cozinha, já que a casa era pequena. O sol entrava alegremente pela janela da cozinha, inundando tudo com a sua luz matinal. Graça, a empregada doméstica da casa, encontrava-se de pé, na cozinha, com as mãos pousadas no balcão e o olhar perdido no que se encontrava para lá da janela. Graça só notou a presença de Inês quando esta, enquanto tirava uma caneca do armário, lhe falou:
- Bom dia! O meu pai, Graça? – Inês continuou o seu ritual das manhãs e dirigiu-se ao frigorífico, de onde tirou o pacote de leite – Ainda está a dormir?
Graça não se sobressaltou com a inesperada a aparição da jovem; apenas se virou, delicada e pensativamente, para Inês. A sua expressão era distante e os seus olhos preocupados – Inês não tinha reparado nisto ao entrar para a cozinha, pois os alegres raios luminosos que entravam pela janela tinham ofuscado toda a tristeza que preenchia o clima. Mesmo assim, a mulher respondeu:
- O teu pai… – era difícil para ela encontrar uma resposta, mas esta até não era a pior pergunta; com um suspiro longo e doloroso tentou prosseguir: - o teu pai está no quarto…
- Ainda?... – era estranho, para ela, o seu pai ainda não andar por lá, pela casa, recitando alguma deixa da última peça que tinha assistido, ou fazer outra coisa qualquer…, apenas era estranho que o seu pai, que era sempre o primeiro a acordar, sempre enérgico, ele que ia sempre “arrancá-las” (ela, a sua irmã Julieta e a sua mãe Mónica) da cama com a esperança que desta vez elas alinhassem num passeio de bicicleta às 9h da manhã, ainda estivesse no quarto. Mas não era isso que preocupava Inês agora: era Graça. Contudo, ela não sabia se devia ignorar e não se intrometer na vida de Graça, ou perguntar-lhe o que se passava…
O silêncio instalou-se entre as duas. Inês não dizia nada, porque não sabia a o que dar importância: à estranha ausência do pai, ou à estranha atitude de Graça. Graça, porém, sabia o que deveria dizer, mas não queria – talvez aquele silêncio pudesse ser prolongado ilimitadamente e não houvesse perguntas que exigissem respostas. Por fim, Inês decidiu-se por saber mais do pai:
- O que é que ele ainda es… – mas a meio arrependeu-se: Graça, não era simplesmente uma empregada doméstica, era uma amiga que sempre tinha cuidado dela e da irmã e sempre tinha posto “ordem” naquela casa, era uma amiga, cujas os sentimentos e preocupações não podiam ser ignorados – O que é que se passa, Graça? Está com uma cara… Estás… pálida.
Graça não conseguia responder – a azia que lhe inundava a boca, afogava as palavras. Mas tinha que responder.
- O teu pai está no quarto, já disse. – se não conseguia fazer com que o tempo parasse, ou menos podia disfarçar…então, começou a remexer numa gaveta, como se estivesse muito atarefada.
- Ok. – Inês fingiu acreditar na súbita actividade da outra, ignorando o brusco despertar de uma transe qualquer, e dirigiu-se ao quarto dos pais: se Maomé não ia à montanha, a montanha ia a Maomé. Era isso que ela ia fazer; desta vez seria ela a “arrancar” o pai da cama.
Caminhou até literalmente esbarrar com a porta – tentou abri-la, mas esta estava trancada.
- Graça. O que é que… – Inês preparava-se para gritar a Graça na cozinha, quando reparou que esta estava mesmo atrás dela; tinha a acompanhado.
- O teu pai está descansar. Deixa que ele saia do quarto e fale contigo.
- Graça, podes fazer-me o favor de me dizer o que é que se passa! Já estou a ficar sem paciência! – Vendo que ela não lhe respondia, gritou através da porta: - Pai! Está tudo bem? Porque é que tens a porta trancada? Tu nunca tens a porta trancada!
Nada – foi tudo o que veio do lado de lá.
- Graça, o que é que se passa! Estou a ficar preocupada! Porque é que o meu pai não responde? Tens a certeza que ele está no quarto? Ele está doente? E onde está a minha mãe? Onde é que ela está? Graça, porque é que não respondes? Graça? - A voz de Inês tornava-se cada vez mais histérica a cada nova pergunta. – O que é que se passa com o meu pai? O que é que se passa com esta casa? Porque é que estás a chorar? – Ela própria já estava a chorar, pelas perguntas sem respostas, pelo clima, pelo estado de Graça, por tudo – Porquê?
- Está… vai ficar tudo bem, não te preocupes.
- Porque é que não disseste “está”? Porquê? Por amor de Deus, diz-me o que é que se passa? Raios! O que…
Inês foi interrompida pelo seu pai, que saía do quarto. A sua cara estava diferente: estava amarelo e parecia muito mais velho. E a sua voz também estava diferente:
- A tua mãe não está. Nem nunca mais vai estar.
Inês não queria acreditar nas palavras do pai. O que é que ele queria dizer ao certo? A sua mãe não podia estar…morta! Ele só podia estar a brincar. Mas que espécie de pai é que brinca com uma coisa dessas? O seu é que não era de certeza! O que é que se passava com ele?
- Eu quero falar com a minha mãe! Onde é que ela está? – Ela não estava para alinhar naquela brincadeira. Espreitou para dentro do quarto à procura da mãe, mas…
- A TUA MÃE NÃO ESTÁ! – Agora o tom de voz do seu pai era diferente: ele estava a gritar furiosamente, o que assustou muito as duas – NÃO ESTÁ! ÉS SURDA?! NÃ-O ES-TÁ! NEM VAI ESTAR! ELA NÃO VOLTA MAIS!! NÃ-O VOL-TA!
Inês continuava a recusar-se a acreditar na morte da sua mãe:
- Pai, se vocês se zangaram, eu não tenho nada a ver…
- Nós não nos zangámos. – Agora Artur já não gritava, mas as suas palavras não deixaram de ser cortantes: - Ela fugiu. Ela fugiu de casa. Ela abandonou-nos!
Inês estava chocada. Ela já não percebia nada. Mas não ia desistir: preparava-se para voltar inquirir o pai, que já chorava – talvez pelo choque das suas próprias palavras –, quando Graça tomou conta da situação e disse-lhe carinhosamente para esperar por ela na cozinha. Afastou violentamente Graça do seu caminho – nem ela a podia fazer parar –, mas esta esbofeteou-la na cara e ordenou que ela fizesse o que lhe dizia. E ela fez.
Passado pouco tempo já estavam as duas na cozinha. Inês continuava a chorar, mas desta vez, silenciosamente, ao contrário de Graça, que se tinha controlado – ela tinha que se controlar. E num tom pausado e calmo disse:
- Eu sei que isto é difícil. É para todos nós, mas principalmente para ti e para a tua irmã. Mas, não é assim que as coisas se vão resolver. Temos que estar calmos – Inês queria gritar “como é que posso estar calma?”, mas não tinha forças e assim continuou a ouvi-la – e… Primeiro, é melhor contar-te tudo o que sei, do princípio. Hoje de manhãzinha cedo, quando cheguei, o teu pai foi ter comigo ao hall, pensando que eu era a tua mãe. Ela não estava em casa e… o teu pai pensou que ela tinha ido comprar pão ou qualquer coisa assim. Mas era eu. Então, ele voltou para o quarto e encontrou uma carta, em cima da cómoda… Ele veio ter comigo, assustado e perguntou se eu sabia o que aquilo era. Eu não sabia. Ele leu a carta, aqui à minha frente, e… Não sei o que estava lá escrito, mas o teu pai disse-me que…Oh! Meu Deus!... Que a tua mãe tinha ido embora, para sempre. A sua voz era calma e parecia alienada, mas… era verdadeira. Via-se que era verdadeira. Depois, ele voltou para o quarto, onde ficou trancado… até agora.
«Por isso, … Não é nenhuma brincadeira, Inês. Eu nunca brincaria com isto. É verdade, querida… é verdade – com isto, Graça dirigiu-se a Inês e abraçou-a. As duas ficaram assim durante muito tempo. Depois, a mais velha beijou a testa da mais nova, tentou fazer com que esta terminasse o seu pequeno-almoço e levou-a até ao seu quarto.
Inês, que já estava no quarto há mais de meia hora, silenciosa (e sem a companhia da sua protectora), olhou para a sua pequenina irmã, que dormia descansadamente no seu leito quente, ingénuo e infantil. A sua pequenina Julieta!, era realmente tão pequenina…e ingénua. Mal ela sabia… E quando ela soubesse…
Um medo intenso tomou rapidamente conta de si. Inês tinha os músculos tensos e escaldantes enquanto que um vazio se abria no seu peito, cada vez mais, e deixava entrar uma sensação gelada e horrível. Estava quente e gelada, tensa e débil, confusa, mas ao mesmo tempo, a terrível verdade gritava dentro de si. Então, sem tempo para mais nada pegou nas chaves e no passe, que estavam em cima da sua mesa-de-cabeceira, e correu para fora de casa. Não sabia, se Graça tinha reparado, não sabia o que ia fazer, não sabia nada… Deixou-se guiar pelos seus pés; caminhava ao ritmo louco do pulsar do seu coração. Um pulsar que sentia por todo o lado, nas mãos, na barriga, na garganta, na pele… gritante e dominante na sua cabeça. Inês gemia. Não sabia como tinha forças… Mas entrou no primeiro autocarro que lhe apareceu à frente; sentou-se num banco e tentou deixar-se relaxar…mas era impossível! Os seus músculos pareciam que eram feitos de pedra, eles já estava comprimidos fixamente.
As paragens passavam, assim como o tempo, mas Inês não se mexeu um milímetro se quer. Quando a última paragem apareceu, Inês viu-se forçada a sair do autocarro. Mas logo a seguir apanhou outro. Não sabia para onde ia, mas nem queria saber…Só queria que a levassem dali.
Mais uma vez, a estação terminal e a saída forçada. Inês ficou à espera de outro instrumento que a levasse dali, mas mais nenhum autocarro apareceu. Ela não reconhecia aquele lugar, que era panorâmico e vazio. Deixou-se escorregar até ao chão onde ficou quieta apenas segura pelas leis da física.
O tempo passou.
O sol ilusionista que tinha inundado alegremente aquela cozinha de manhã, já tinha sido substituído por uma lua esbatida e mais verdadeira. Inês estava a voltar para casa. Casa? O que significa essa palavra? É apenas um espaço físico, ou o conforto e o aconchego de um amor que os seus habitantes dão uns aos outros. Inês já não sabia mesmo nada…
À porta do prédio estava sentada a uma menina, de seus 10 anos, com a cabeça apoiada nas mãos e os cotovelos nos joelhos. A sua pequena Julieta!... A sua Julieta olhava para a rua, à espera.
- Estou à espera da mãe. Ela deve estar quase a chegar – a sua voz suou na noite, sem aviso, era estranhamente calma. Inês não tinha perguntado nada. Tinha se aproximado apreensiva… não sabia como a irmã tinha reagido. Mas agora, ao descobrir os olhos da sua irmã…
Aqueles olhos sem brilho, sem vestígio nenhum do seu brilho natural, clarificaram a mente de Inês. Estava ali tudo. E agora ela tinha certeza: a sua mãe deixara-os e não voltava mais.
- Graça, podes fazer-me o favor de me dizer o que é que se passa! Já estou a ficar sem paciência! – Vendo que ela não lhe respondia, gritou através da porta: - Pai! Está tudo bem? Porque é que tens a porta trancada? Tu nunca tens a porta trancada!
Nada – foi tudo o que veio do lado de lá.
- Graça, o que é que se passa! Estou a ficar preocupada! Porque é que o meu pai não responde? Tens a certeza que ele está no quarto? Ele está doente? E onde está a minha mãe? Onde é que ela está? Graça, porque é que não respondes? Graça? - A voz de Inês tornava-se cada vez mais histérica a cada nova pergunta. – O que é que se passa com o meu pai? O que é que se passa com esta casa? Porque é que estás a chorar? – Ela própria já estava a chorar, pelas perguntas sem respostas, pelo clima, pelo estado de Graça, por tudo – Porquê?
- Está… vai ficar tudo bem, não te preocupes.
- Porque é que não disseste “está”? Porquê? Por amor de Deus, diz-me o que é que se passa? Raios! O que…
Inês foi interrompida pelo seu pai, que saía do quarto. A sua cara estava diferente: estava amarelo e parecia muito mais velho. E a sua voz também estava diferente:
- A tua mãe não está. Nem nunca mais vai estar.
Inês não queria acreditar nas palavras do pai. O que é que ele queria dizer ao certo? A sua mãe não podia estar…morta! Ele só podia estar a brincar. Mas que espécie de pai é que brinca com uma coisa dessas? O seu é que não era de certeza! O que é que se passava com ele?
- Eu quero falar com a minha mãe! Onde é que ela está? – Ela não estava para alinhar naquela brincadeira. Espreitou para dentro do quarto à procura da mãe, mas…
- A TUA MÃE NÃO ESTÁ! – Agora o tom de voz do seu pai era diferente: ele estava a gritar furiosamente, o que assustou muito as duas – NÃO ESTÁ! ÉS SURDA?! NÃ-O ES-TÁ! NEM VAI ESTAR! ELA NÃO VOLTA MAIS!! NÃ-O VOL-TA!
Inês continuava a recusar-se a acreditar na morte da sua mãe:
- Pai, se vocês se zangaram, eu não tenho nada a ver…
- Nós não nos zangámos. – Agora Artur já não gritava, mas as suas palavras não deixaram de ser cortantes: - Ela fugiu. Ela fugiu de casa. Ela abandonou-nos!
Inês estava chocada. Ela já não percebia nada. Mas não ia desistir: preparava-se para voltar inquirir o pai, que já chorava – talvez pelo choque das suas próprias palavras –, quando Graça tomou conta da situação e disse-lhe carinhosamente para esperar por ela na cozinha. Afastou violentamente Graça do seu caminho – nem ela a podia fazer parar –, mas esta esbofeteou-la na cara e ordenou que ela fizesse o que lhe dizia. E ela fez.
Passado pouco tempo já estavam as duas na cozinha. Inês continuava a chorar, mas desta vez, silenciosamente, ao contrário de Graça, que se tinha controlado – ela tinha que se controlar. E num tom pausado e calmo disse:
- Eu sei que isto é difícil. É para todos nós, mas principalmente para ti e para a tua irmã. Mas, não é assim que as coisas se vão resolver. Temos que estar calmos – Inês queria gritar “como é que posso estar calma?”, mas não tinha forças e assim continuou a ouvi-la – e… Primeiro, é melhor contar-te tudo o que sei, do princípio. Hoje de manhãzinha cedo, quando cheguei, o teu pai foi ter comigo ao hall, pensando que eu era a tua mãe. Ela não estava em casa e… o teu pai pensou que ela tinha ido comprar pão ou qualquer coisa assim. Mas era eu. Então, ele voltou para o quarto e encontrou uma carta, em cima da cómoda… Ele veio ter comigo, assustado e perguntou se eu sabia o que aquilo era. Eu não sabia. Ele leu a carta, aqui à minha frente, e… Não sei o que estava lá escrito, mas o teu pai disse-me que…Oh! Meu Deus!... Que a tua mãe tinha ido embora, para sempre. A sua voz era calma e parecia alienada, mas… era verdadeira. Via-se que era verdadeira. Depois, ele voltou para o quarto, onde ficou trancado… até agora.
«Por isso, … Não é nenhuma brincadeira, Inês. Eu nunca brincaria com isto. É verdade, querida… é verdade – com isto, Graça dirigiu-se a Inês e abraçou-a. As duas ficaram assim durante muito tempo. Depois, a mais velha beijou a testa da mais nova, tentou fazer com que esta terminasse o seu pequeno-almoço e levou-a até ao seu quarto.
Inês, que já estava no quarto há mais de meia hora, silenciosa (e sem a companhia da sua protectora), olhou para a sua pequenina irmã, que dormia descansadamente no seu leito quente, ingénuo e infantil. A sua pequenina Julieta!, era realmente tão pequenina…e ingénua. Mal ela sabia… E quando ela soubesse…
Um medo intenso tomou rapidamente conta de si. Inês tinha os músculos tensos e escaldantes enquanto que um vazio se abria no seu peito, cada vez mais, e deixava entrar uma sensação gelada e horrível. Estava quente e gelada, tensa e débil, confusa, mas ao mesmo tempo, a terrível verdade gritava dentro de si. Então, sem tempo para mais nada pegou nas chaves e no passe, que estavam em cima da sua mesa-de-cabeceira, e correu para fora de casa. Não sabia, se Graça tinha reparado, não sabia o que ia fazer, não sabia nada… Deixou-se guiar pelos seus pés; caminhava ao ritmo louco do pulsar do seu coração. Um pulsar que sentia por todo o lado, nas mãos, na barriga, na garganta, na pele… gritante e dominante na sua cabeça. Inês gemia. Não sabia como tinha forças… Mas entrou no primeiro autocarro que lhe apareceu à frente; sentou-se num banco e tentou deixar-se relaxar…mas era impossível! Os seus músculos pareciam que eram feitos de pedra, eles já estava comprimidos fixamente.
As paragens passavam, assim como o tempo, mas Inês não se mexeu um milímetro se quer. Quando a última paragem apareceu, Inês viu-se forçada a sair do autocarro. Mas logo a seguir apanhou outro. Não sabia para onde ia, mas nem queria saber…Só queria que a levassem dali.
Mais uma vez, a estação terminal e a saída forçada. Inês ficou à espera de outro instrumento que a levasse dali, mas mais nenhum autocarro apareceu. Ela não reconhecia aquele lugar, que era panorâmico e vazio. Deixou-se escorregar até ao chão onde ficou quieta apenas segura pelas leis da física.
O tempo passou.
O sol ilusionista que tinha inundado alegremente aquela cozinha de manhã, já tinha sido substituído por uma lua esbatida e mais verdadeira. Inês estava a voltar para casa. Casa? O que significa essa palavra? É apenas um espaço físico, ou o conforto e o aconchego de um amor que os seus habitantes dão uns aos outros. Inês já não sabia mesmo nada…
À porta do prédio estava sentada a uma menina, de seus 10 anos, com a cabeça apoiada nas mãos e os cotovelos nos joelhos. A sua pequena Julieta!... A sua Julieta olhava para a rua, à espera.
- Estou à espera da mãe. Ela deve estar quase a chegar – a sua voz suou na noite, sem aviso, era estranhamente calma. Inês não tinha perguntado nada. Tinha se aproximado apreensiva… não sabia como a irmã tinha reagido. Mas agora, ao descobrir os olhos da sua irmã…
Aqueles olhos sem brilho, sem vestígio nenhum do seu brilho natural, clarificaram a mente de Inês. Estava ali tudo. E agora ela tinha certeza: a sua mãe deixara-os e não voltava mais.
1 comentário:
Ola Tani. Acabei de ler hoje o que me deste. Percebes porque comento neste post né?
E vou ser sincera. Achei muito interessante os teus esboços/estudos que fizeste em relação a este "Diário". Deve ter sido muito cansativo, pois tiveste que organizar bem a construç~~ao das personagens, relações entre elas, etc. Apesar de etr sido um bocado confuso (que para o autor nunca o é e são somente esboços e isso é natural), gostei. (Falei do caderno A5). Ainda na mesmo tema, desta vez nas folhinhas de uma agenda, onde revelas (surpreendi-me) a forma com que deste a volta à misteriosa fuga de Mónica (Ingride) e toda a história que desenvolveste (identidades falsas, crianças trocadas, a procura de uma herdeira, etc.).
Fez-me lembrar um pouco a Conspiração. Podias impor mais criatividade nesta história. Podias publicar. Apesar de Sonja ser historiadora, orque não abdicar do cargo pelo amor que nunca deu à filha (Ingride) e ser Graça, a empregada amiga de Inês e Julieta?
Apreciei também os locais que escolheste (conhecidos para mim) que me deixam contente.
Sobre a Pandora...deliciaste-me. Mesmo. O texto é simples, mas o conteúdo é enebriante e os capítulos pequenos, tal como eu gosto! A caracterização das personagens está excelente! Não devias discurar desta, para mim foi mais atraente. Podias trabalhar nas duas. Publica coisas. Faz perguntas aos teus visitantes. Como querem isto ou aquilo. Era engraçado. Um beijo terno.
Enviar um comentário